Nossa civilização já começa a se mirar no Black Mirror: o portal que
nos levará à realidade alternativa onde tudo é o que realmente parecia ser
multiplicado por mil.
Este mundo sombrio já chegou, há décadas, ao Congresso Nacional.
Nele, um buraco negro de crenças e atitudes que não representa quase ninguém luta
para tragar aqueles que (ainda) possuem um tíbio verniz de decência.
Não há outra explicação para a atuação dos 313 deputados (contra
132) que preferiram cerrar fileiras com os emissários das trevas ao dilacerar
as medidas anticorrupção apoiadas pela maioria absoluta da sociedade.
Sobraram apenas a criminalização do caixa 2 em campanhas eleitorais,
venda de votos, o aumento da pena para estelionato (hoje de 1 a 5 anos de
detenção para 2 a 8 anos) configurando “crime hediondo” para delitos que
superem 10 mil salários mínimos (a proposta original era de 100), a necessidade
de mais transparência na divulgação de informações processuais para os tribunais
e a limitação de recursos para a protelação dos processos.
Ah! Na proposta original, havia a previsão de multa de 10 a 40%
sobre o repasse do Fundo Partidário
referente ao ano em que o ato criminoso tenha ocorrido. Os deputados reduziram
esta multa para 5 a 20%.
No restante o que se viu foi um amontoado de propostas cujo objetivo,
não disfarçado, é o de intimidar e dificultar o trabalho dos representantes do
Poder Judiciário no combate à corrupção. Justamente, o oposto do demandado pela
sociedade.
A cereja podre desse bolo envenenado foi a criação de “crime de responsabilidade” para juízes, promotores e procuradores os quais,
pretendem os deputados, possam ser investigados e processados criminalmente por
“manifestação de opinião ou juízo depreciativo” em qualquer meio de comunicação
sobre processos em andamento.
É importante notar que
deputados e senadores não estão sujeitos a esse instrumento. O grau de
subjetivismo que você, caro leitor, pode perceber, não é o fruto de uma redação
imprecisa pelo açodamento do plenário. É esse mesmo o propósito: deixar uma
porta escancarada e sem travas para interpretações questionáveis e
inescrupulosas. Ressalte-se que todos os agentes da justiça já estão sujeitos à
responsabilidade civil, criminal, de improbidade administrativa e disciplinar
pelas leis vigentes.
Pontos vitais para o
combate à corrupção foram sumariamente eliminados como:
a. Criminalização do enriquecimento ilícito para
funcionários públicos
b. Aumento do prazo para prescrição de crimes
c. Acordo penal e todas as regras sobre a celebração
do acordo de leniência.
d. Suspensão do funcionamento dos partidos e filiação
do dirigente partidário responsável pelo crime de caixa 2
e. Prisão preventiva para a identificação, localização
e devolução do produto do crime.
Não. Não estou
equivocado. É isso mesmo que você leu!
Algumas propostas polêmicas foram retiradas:
a. A figura do “reportante do bem”, pessoa que mesmo sem ter
participado dos atos ilícitos poderia denunciá-los com a possibilidade de receber
até 20% dos valores recuperados.
b. Possibilidade de poder se aceitar “provas ilícitas”.
c. Realização de “Teste de Integridade” para funcionários
públicos.
Pelo menos, sobre essas, é admissível o questionamento sobre sua
efetividade e propriedade.
Ainda não é o Juízo Final. As medidas aprovadas pela Câmara ainda devem ser analisadas pelo Senado e mesmo se forem aprovadas estão
sujeitas ao veto pelo Presidente da
República. Se, entretanto, o pior dos mundos ocorrer, ainda resta a palavra
final do Supremo Tribunal Federal sobre
a constitucionalidade delas.
Mas, já não mais existe um Congresso se mirando no espelho da
ética e da responsabilidade. Este quebrou e não tem mais conserto.
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