Fui convocado
para atuar como jurado no 2º Tribunal do Júri da Comarca de Curitiba. Uma
experiência fascinante. Você vivendo o que realmente significa “Estado de Direito”. As instituições em pleno
funcionamento provando que vivemos em uma democracia, apesar de tudo.
Como não
poderia deixar de ser, dos 21 convocados alguns já chegam com uma petição
escrita solicitando dispensa. Pura perda de tempo. O juiz, Dr. Daniel Ribeiro
Surdi de Avelar, um jovem senhor, alto como um jogador de basquete, feições de
artista de televisão e com rara afabilidade, faz um breve e consistente
discurso deixando claro que a sociedade precisa assumir suas responsabilidades
neste país e parar de reclamar das instituições. Júri não é uma brincadeira da
qual se pode decidir “entrar ou não”. É uma das mais sérias liturgias
republicanas. Sua defecção traz consequências. Só serão dispensados os
indivíduos comprovadamente incapacitados por motivo de doença. Nenhum pio na
sala após esta incômoda, mas necessária admoestação.
Tem início o
sorteio dos 7 jurados que formarão o “Conselho de Sentença”. O didatismo do
juiz não deixa dúvidas: nosso sistema é diferente daquele que o cinema
norte-americano nos vende. Pra início de conversa o deles tem 12 jurados, o
nosso 7. No deles é preciso unanimidade
da decisão e por isso os jurados discutem o caso à exaustão sem a presença do
juiz. No nosso, vale o resultado da votação dos jurados feita individual e
sigilosamente sob os olhares do juiz, promotor e advogado de defesa ou defensor
público.
Nosso
sistema jurídico prevê a realização de júri apenas nos casos de crimes
intencionais contra a vida como homicídio doloso, incitação ao suicídio, aborto
e infanticídio. No sistema norte-americano, o júri é constituído também para
outros tipos de crimes inclusive contravenções.
Osvaldo está
cumprindo pena na penitenciária de Curitiba por latrocínio. Está sendo levado a
júri em 2012 acusado por haver cometido roubo seguido de morte em novembro de 1996. São 16
anos. Período excessivamente longo sob qualquer perspectiva. O promotor público
nos relata detalhadamente o caso. Apresenta todos os aspectos da ocorrência
denotando um minucioso trabalho de análise e pesquisa. As provas contra o réu
são fragilíssimas. Algumas beiram o ridículo. Há erros grosseiros no processo
como balas que não podem ter comprovadas sua origem e elementos notoriamente
plantados para incriminar o réu. A tese do promotor é a de que a polícia está
por traz deste homicídio para encobrir o desaparecimento de pedras preciosas
que foram roubadas e que aparentemente são a causa do crime (um acerto de
contas entre ladrões).
Uma das
testemunhas se recusa a comparecer ao tribunal alegando temer represálias
(relata o juiz). Isso, entretanto não “constituiu óbice” (impedimento) para que
nós, do júri, conhecêssemos seu depoimento. Para nossa surpresa, o juiz pede
que seja projetado o vídeo gravado com a testemunha. Comodidade da modernização
das práticas jurídicas em nosso país. A gravação nos mostra uma pessoa confusa
em relação aos fatos.
Você leitor
deve achar, como eu, que o papel do promotor é o de acusar, sempre. Errado! Aprendi in loco, que o papel do promotor
é defender os interesses da sociedade e assegurar um julgamento justo. Ele pode
(e deve) pedir a absolvição do réu se não estiver convencido de sua culpa.
Após o
discurso da promotoria entra em cena o advogado de defesa. Neste caso, dada a
condição do réu, este trabalho foi realizado pelo defensor público. E aí está
uma das belezas do nosso ordenamento jurídico: a certeza de que
independentemente da condição social e financeira do réu a ele está garantida
uma defesa competente.
E que
defesa! Em nosso imaginário, uma pessoa pobre, já presa, sem condições de pagar
um advogado, certamente receberia o esforço de alguém pouco comprometido com sua
causa. O defensor público faz um trabalho magistral. Aponta todas as falhas
contidas na apuração dos fatos, compartilha conosco trechos do processo,
desvendando cada minúcia ou termo jurídico. Ao longo de duas horas de apurado desvelo técnico,
discretamente apoiado por seu iPad de última geração, o defensor nos pede a
absolvição do réu.
Após o
ritual de votação na sala do júri o esperado: absolvição por quatro votos
dentre sete. O juiz não desvenda os demais votos ao se chegar ao número de
votos que permite a absolvição. Esta é mais uma das características de nosso
sistema para salvaguardar o sigilo da votação.
De volta ao
plenário a leitura da sentença. O réu se emociona. Sua pena atual não será
acrescida por outra para um crime, que em nossa decisão soberana como representantes da sociedade, ele não
cometera.
O real
assassino talvez jamais seja conhecido.
Em agosto
teremos o julgamento do mensalão. Não é pouca coisa levar ao banco dos réus indivíduos
ricos, poderosos e instruídos como o são ex-ministros, o ex-presidente da
Câmara dos Deputados, publicitários, tesoureiros, diretores de instituições
financeiras, líderes de partidos e assessores de políticos. Espera-se que, ao
contrário do exemplo dado acima, as provas contra esses delinquentes sejam
irrefutáveis e que os ministros do STJ apliquem a todos as penas previstas em
lei. A República penhorada agradece.
Uma semana
repleta de sucesso!