Dr. Roberto é um reputado dentista. Estudamos juntos no
colégio. Um belo dia, nos encontramos em um jantar de amigos comuns. Roberto
vangloriava-se de ser um conhecedor de vinhos e nos informava de sua recente
viagem à região francesa de Bordeaux. Depois de algumas taças o assunto migra
para a política. Roberto então faz uma declaração que julga eivada de refinada
inteligência: nunca pagou impostos! É mestre nas artimanhas da sonegação.
Digo-lhe, então, que isso é uma forma de roubo já que todos os que pagam
impostos na fonte financiam a estrutura do país da qual ele se beneficia. Nunca
mais falou comigo.
A corrupção no Brasil é um espetáculo midiático.
Todos os dias novos casos ganham as telas da televisão e as páginas de jornais
em um estardalhaço circense. No centro do picadeiro, os costumeiros políticos.
Pergunte a um cidadão qualquer na rua se ele compactua com a corrupção e a
resposta será de dramática indignação. Para nossos concidadãos atos condenáveis
sempre ocorrem com os outros. Se a questão for ligada à malversação de recursos
quer públicos ou privados ah! Isso só acontece fora de seu clã.
E assim, vemos o Sul esbravejar contra a corrupção
no Nordeste. O pobre considerar que o rico só o é porque roubou de alguma
maneira. Grupos étnicos contra grupos étnicos. Religiões, times de futebol, rodas
de pagode, escolas de samba, representantes comunitários, ONGs... Todos se
acusam mutuamente de atos indesculpáveis. O corrupto é sempre o outro.
O filósofo existencialista francês Jean-Paul Sartre (1905-1980) matou a
charada como ninguém ao dizer que “L’enfer c’est les autres” ( O inferno são os
outros). Sartre explicou isso muito bem ao complementar que “os outros são, no
fundo, o que há de mais importante em nós mesmos”.
São os outros que permitem que nos vejamos refletidos no
espelho. Tudo o que eu digo, penso e julgo de mim mesmo reflete o que eu julgo,
penso e digo dos outros. Se Sartre assistisse ao “Mensalão” e lesse tudo o
que sai na mídia sobre este escândalo riria da ingenuidade de nossa sociedade
ao enxergar em apenas alguns aloprados a origem da corrupção nacional.
Você sabia que o Brasil é o segundo país do mundo
onde mais se sonega impostos? Uma pesquisa da organização britânica Tax Justice Network feita em 2011
informa que a sociedade brasileira subtrai dos cofres públicos 280 bilhões de
dólares (cerca de 580 bilhões de Reais)
pelo não recolhimento de impostos. Sabe quem é o primeiro? Os Estados
Unidos. Lá a cifra chega a 340 bilhões de dólares anuais. A diferença é que o
PIB dos Estados Unidos é seis vezes maior que o nosso. Em termos percentuais, a
sonegação no Brasil representa cerca de 11% do PIB enquanto que nos Estados
Unidos é de apenas 2,2 %.
O ex-secretário da Receita Federal Everardo Maciel,
em recente entrevista ao comentarista político Bob Fernandes, alardeou números
muito maiores. Segundo ele, a sonegação de impostos no Brasil passa de 1 trilhão
de Reais. Sabe qual é o nome disso? CORRUPÇÃO!
Não adianta tentar tapar o sol da integridade com a
peneira da hipocrisia. Nossa sociedade faz em escala macro o que os políticos
fazem no micro.
É o empresário que quer ficar rico tomando para si
o imposto que foi pago pelo consumidor final. É o cidadão que declara a compra
de um imóvel por um valor menor. É a patroa que não paga o INSS de sua
empregada. É o contribuinte que burla o imposto de renda. É o fulano que dá
notas frias ... A lista é longa e não exclui nenhuma classe social, categoria profissional,
faixa etária, grupo étnico, igreja, ideologia,
partido político, agremiação literária, clube desportivo e bloco carnavalesco de todos os rincões deste país.
A corrupção é o reflexo do comportamento social, da
ética dominante, da moral vigente, do arcabouço institucional existente. Um país é aquilo que os seus cidadãos
querem ser. É muito mais fácil achar explicações e desculpas do
tipo: a carga tributária é excessiva, a contraprestação em serviços é ruim, o que
eu ganho mal dá pra viver, eu aplico o dinheiro melhor do que o governo . Escolha
e invente a sua.
Mas, na hora de votar você escolhe o meliante notório
ou o incompetente crônico. São eles, que
nos representam e que fazem a gestão do país.
Integridade é a qualidade de quem é íntegro,
honesto, incorruptível, cujos atos e atitudes são irrepreensíveis. Conquistá-la é um longo processo civilizatório
que não termina nunca.
Um dia teremos que encarar esta questão de frente. Caso contrário
continuaremos no nosso eterno papel de coadjuvante de mais uma comédia terminada em “ão”.
Grande abraço.